Illustration: Ann Kiernan
Investigando o Crime Organizado – Capítulo 2: Tráfico de drogas
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Investigando o Crime Organizado – Introdução e Índice
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Investigando o Crime Organizado – Capítulo 1: Lavagem de dinheiro
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Investigando o Crime Organizado – Capítulo 2: Tráfico de drogas
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Investigando o Crime Organizado – Capítulo 3: Cibercrime
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Investigando o Crime Organizado – Capítulo 4: Desaparecimentos forçados
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Investigando o Crime Organizado – Capítulo 5: Tráfico Humano
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Investigando o Crime Organizado – Capítulo 6: Tráfico de Armas
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Investigando o Crime Organizado – Capítulo 7: Crimes Ambientais
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Investigando o Crime Organizado – Capítulo 8: Tráfico de Antiguidades
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Investigando o Crime Organizado – Capítulo 9: Estados mafiosos e cleptocracias
Este capítulo é escrito por Steven Dudley, codiretor e cofundador da InSight Crime, membro da GIJN, uma iniciativa que visa monitorar, analisar e investigar o crime organizado nas Américas.
O tráfico de drogas é uma das atividades ilícitas mais lucrativas do mundo, valendo algo em torno de US$ 500 bilhões por ano, comparável ao produto interno bruto da Suécia. É também uma importante fonte de questões relacionadas à saúde e custos associados à saúde pública; violência e conflitos civis; agitação política e econômica; e muito mais. A cobertura desse tema frequentemente se concentra nos chamados chefões – os principais responsáveis à frente das empresas criminosas internacionais – e seus subordinados imediatos. No entanto, há muito mais camadas, pessoas e questões relacionadas a esse comércio que vale a pena cobrir.
Para começar, a maioria das grandes empresas criminosas opera uma enorme cadeia de distribuição. Esta cadeia é semelhante a qualquer outra rede global de mercadorias: existem áreas de origem, canais de distribuição, centros de concentração, estações de processamento, pontos de despacho, canais de distribuição de consumo, etc. Cada um desses pode fazer parte de uma mesma organização ou ser administrado por terceiros. Em alguns casos, as partes terceirizadas ganham tanto dinheiro que formam suas próprias organizações criminosas. Grupos de transporte de drogas na América Central que são contratados para transportar drogas ilícitas em uma curta distância, por exemplo, são algumas das organizações criminosas mais poderosas da região. Existem também vários subgrupos de tráfico especializados em lavagem de dinheiro em toda a região. Outros, às vezes até mesmo policiais ou militares, são especializados em proteção.
Claro, nenhuma dessas grandes organizações opera sem o que chamamos de cobertura superior. Esta cobertura vem de políticos, policiais, promotores, legisladores e outros que podem proteger os interesses comerciais da organização criminosa. Em troca dessa proteção clandestina, eles recebem dinheiro de propina e outras formas de capital. Um político, por exemplo, pode esperar apoio para sua campanha, que pode incluir tanto pagamentos diretos quanto uma promessa de investimento econômico onde estiverem seus eleitores e aliados. Banqueiros e elites econômicas também abrem silenciosamente suas portas para traficantes de drogas que trazem todos os tipos de oportunidades de investimento, bem como dinheiro. E com o tempo, os traficantes se tornam parte da classe dominante, levando a uma reconfiguração total das elites.
Há também efeitos secundários do tráfico de drogas que vale a pena cobrir: picos no consumo de drogas que levam a problemas de dependência e à disparada dos custos de serviços de saúde; violência relacionada ao controle de corredores ou pontos de venda do tráfico de drogas; conflitos civis financiados por atividades de tráfico de drogas; legalização e/ou descriminalização das drogas; danos colaterais de abordagens punitivas para lidar com o tráfico de drogas (por exemplo, a “Guerra às Drogas” dos EUA); e muitos mais.
Perguntas-chave: Quem são as fontes? Como você faz pesquisas? Onde você vai?
Cobrir o tráfico de drogas é intrinsecamente difícil e pode ser perigoso. As informações também são escassas e os dados são muitas vezes suspeitos. Além disso, as políticas públicas em torno do tráfico de drogas são altamente controversas, uma vez que as abordagens punitivas para lidar com o tráfico de drogas costumam ser os pilares centrais na maioria dos governos, e os danos colaterais dessas políticas punitivas costumam ser extensos.
Na maioria dos casos, é melhor começar obtendo os melhores dados possíveis. Os dados sobre as tendências do tráfico de drogas podem ser obtidos por meio de fontes oficiais, locais, bem como de agências multilaterais como as Nações Unidas e governos como o dos Estados Unidos, que acompanham de perto as tendências do tráfico de drogas. Especificamente, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) e o Departamento de Estado dos EUA publicam relatórios regulares sobre as tendências do tráfico de drogas, que muitas vezes vêm de fontes locais.
Porém, em todos os casos, proceda com cautela: os dados sobre o tráfico de drogas, principalmente as apreensões, mostram apenas uma pequena parte da questão e podem até distorcer a realidade em alguns casos. Por exemplo, um governo mais rígido pode estar apreendendo mais drogas, mas isso não quer dizer, necessariamente, que mais drogas estão passando por suas fronteiras. Em contraste, um governo passivo ou corrupto pode estar apreendendo poucas drogas, mas ainda assim pode ser um centro de atividades de tráfico.
Para ter uma ideia das próprias operações de tráfico de drogas, a melhor forma é ir até aqueles que estão no negócio. Isso significa tentar acesso aos traficantes de drogas ou revisar seus depoimentos em documentos judiciais. A melhor maneira de fazer isso é por meio de seus advogados, que geralmente têm as informações em mãos ou podem estar dispostos a fornecer acesso a seus clientes. E, é claro, se você puder comparecer a uma audiência pública ou julgamento, faça-o.
Como alternativa, você deve trabalhar duro para conseguir fontes entre oficiais da polícia e da inteligência. A polícia e os promotores em unidades especiais de combate às drogas são particularmente úteis. Se eles não podem falar com você sobre casos específicos, talvez eles possam lhe falar em geral como o comércio funciona, onde você deve procurar e com quem você deve falar além deles. Mas esteja ciente de que as fontes entre oficiais da polícia e de inteligência tentam promover sua própria narrativa preferida sobre o comércio de drogas e a eficácia de seus esforços para combatê-lo.
Durante todo o processo, você deve tentar obter documentos judiciais. Normalmente são registros públicos. Você deve poder solicitá-los usando as leis de acesso a registros públicos em muitos países. Aprenda mais sobre essas leis e como usá-las. Também podem existir organizações especializadas que podem solicitá-los para você ou ajudá-lo a redigir o pedido para maximizar suas chances de sucesso.
Conforme observado, existem inúmeras histórias que você pode contar sobre o tráfico de drogas. Isso requer um conjunto diferente de fontes, mas geralmente a mesma metodologia: encontrar os dados; rastrear as fontes primárias; complementar com fontes secundárias, documentos judiciais e outros documentos oficiais.
Estudos de caso
Ministro do Interior da Guatemala
Pouco mais de um ano depois de Mauricio López Bonilla, um ex-oficial militar condecorado, se tornar ministro do Interior da Guatemala em 2012, ele recebeu uma mensagem inesperada de Marllory Chacón Rossell. O Departamento do Tesouro dos Estados Unidos havia acrescentado Chacón recentemente à sua lista de “chefões”, uma lista de seus principais alvos, por lavagem de dinheiro e tráfico de drogas. Mas Chacón tinha uma proposta para López Bonilla: proteja-me de traficantes de drogas rivais com veículos do governo e guarda-costas em troca de grandes quantias de dinheiro. López Bonilla concordou com o negócio. Mais tarde, ele aceitou enormes subornos durante uma reunião cara a cara com Chacón na casa dela. Mas ele não sabia que a Administração de Fiscalização de Drogas (DEA, na sigla em inglês) havia colocado dispositivos de gravação e câmeras de vídeo na residência de Chacón. Em outras palavras, ela foi uma testemunha cooperante. Esta história do InSight Crime, escrita por mim, acompanha essa relação e outras forjadas pelo então ministro do Interior, que na época em que trabalhava com traficantes de drogas, também se autodenominava o melhor aliado do governo dos Estados Unidos na Guatemala. Ela se baseou no depoimento fornecido por Chacón, por meio de seu advogado, em várias entrevistas com agentes da DEA, com investigadores e policiais guatemaltecos e com o próprio López Bonilla. Dois meses após a publicação da história, López Bonilla foi indiciado nos Estados Unidos por crimes de tráfico de drogas.
Armadilha para o Narco-Terror do Mali
Em 2009, a DEA organizou uma operação policial na África Ocidental. De um lado estavam três cidadãos do Mali que alegaram estar ligados à Al Qaeda e que poderiam ajudar no tráfico de drogas pelo deserto do Saara para a Europa. Do outro lado estavam dois homens, o primeiro um agente da DEA infiltrado, o outro um informante pago – eles se passaram por emissários das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) tentando transportar cocaína. Pouco depois da reunião, os três malianos foram presos e levados de avião para os Estados Unidos, onde foram julgados e condenados por “narcoterrorismo”. A história da ProPublica, de Ginger Thompson, usa o caso para falar sobre os abusos da polícia dos EUA por meio do uso do estatuto do narcoterrorismo. Embora existam algumas conexões documentadas entre grupos terroristas e tráfico de drogas, elas são de âmbito limitado, que a história narra em detalhes usando exemplos judiciais e entrevistas. A história também inclui alguns momentos íntimos e retratos comoventes dos acusados e de suas vidas, bem como o flagrante desrespeito por parte da polícia dos Estados Unidos por qualquer coisa que se aproxime da justiça.
Cumplicidade da família Sackler na crise de opióides nos EUA
Não costumamos pensar nelas como traficantes de drogas, mas as empresas farmacêuticas desempenham um grande papel em pavimentar o caminho para o uso massivo de drogas ilícitas, às vezes conscientemente, às vezes sem saber. Esse é o caso da Purdue Pharma, uma grande empresa farmacêutica de propriedade da família Sackler, que, por anos, vendeu Oxycontin, altamente viciante, como parte de um impulso massivo de opióides nos Estados Unidos. A empresa estabeleceu uma campanha de marketing agressiva e sem escrúpulos com base em dados científicos muito fracos a respeito do vício. Quando os médicos cortavam as receitas, as pessoas recorriam a outros opióides, muitas vezes ilícitos: primeiro a heroína e depois o opióide sintético, o fentanil. O resultado foi um aumento vertiginoso das mortes por overdose durante a última década. A história da The New Yorker, de Patrick Radden Keefe, narra a ascensão e queda parcial dessa família devido a ações judiciais contra eles. A família, como mostra o artigo, tentou esconder sua reputação por meio de presentes filantrópicos, que incluem a doação de uma ala para o Metropolitan Museum of Art de Nova York, bem como uma série de outras grandes doações para museus de arte e universidades ao redor do mundo.
5 dicas e ferramentas para investigar o tráfico de drogas
- Menos é mais: tente se concentrar em um caso, um personagem, um enredo. Isso o ajudará a limitar o escopo das investigações e torná-las mais administráveis.
- Encontre fontes primárias: colete entrevistas de fontes ou garanta material de fontes primárias seguras para construir sua investigação. Isso permitirá que você conte histórias humanas de uma forma mais detalhada e interessante.
- Desenvolva fontes com paciência e cuidado: boas histórias não acontecem na primeira tentativa. Faça contatos e mantenha-os com acompanhamento regular e desenvolvendo relacionamentos com as fontes que vão além de qualquer história.
- Vá fundo: as histórias sobre o tráfico de drogas não são apenas boas histórias, são oportunidades para mergulhar em questões estruturais, problemas sistêmicos e temas que governam nossas vidas. Use as histórias de tráfico de drogas para atrair o público e use a oportunidade que isso lhe dá para falar sobre questões maiores.
- Segurança em primeiro lugar: encontrar grandes histórias não é sobre se tornar um mártir apenas para capturar narrativas atraentes e de primeira mão da linha de frente. Encontre histórias que funcionem para você, que seus editores apoiarão, e que não colocarão você ou as pessoas que você ama em perigo.
No final, o narcotráfico é um negócio que se espalha além das fronteiras e penetra tanto espaços urbanos quanto rurais, envolve todas as classes e raças do planeta e impacta quase todos os aspectos da vida pública e privada. Cubra-o como se fosse um: quebrando-o nas partes que formam o negócio, decifrando a política e a economia que estão por trás dele e contando as histórias dos humanos que o dirigem e são impactados por ele.