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Ilustração: Marcelle Louw para GIJN

Blindar sua história exige muito mais do que conseguir os fatos corretos. Requer um trabalho meticuloso, desde o início, para passar no controle de qualidade.

Abaixo, você encontrará um sistema com três passos que têm sido desenvolvidos, desde 2004, por nossa redação da Uppdrag Granskning (Mission Investigate), o programa de televisão investigativo da SVT, a emissora pública nacional na Suécia. Ao longo dos anos, a Mission Investigate produziu histórias premiadas internacionalmente sobre temas que vão desde suborno internacional e crime organizado à Igreja Católica e à ONU. Nesse meio tempo, nossa equipe aprendeu como evitar obter informações erradas e garantir que nossas histórias fossem contestadas antes da publicação – não depois.

Com sorte, essa experiência lhe trará alguma inspiração.

blindas suas histórias

Imagem: Unsplash / Canva

Os três passos

Por que passos? Pode parecer desnecessariamente burocrático, mas sem formalizar o processo, existe um risco significativo de que partes necessárias do trabalho sejam deixadas para trás. Diante da importância das questões em jogo, o esforço é mais do que justificado. O tempo total gasto – algumas reuniões de uma hora e uma checagem geral de fatos de até um dia – não deve desencorajar nenhuma pequena redação, repórter investigativo ou freelancer.

A recompensa será tranquilidade à medida que a publicação se aproxima.

Passo nº 1: a reunião inicial

Após a pesquisa primária sobre a ideia da história, o repórter está pronto para ser desafiado: a hipótese central da história – a teoria do que precisa ser investigado e porquê – se mantém? Quais as evidências contra a hipótese? Esta é a questão central na reunião inicial, onde é decidido se vale a pena investir no projeto.

Como os repórteres tendem a negligenciar aspectos problemáticos, é necessário fornecer um contrapeso com pontos de vista opostos, também conhecido como fazer o papel do “advogado do diabo”. Pode ser um editor ou repórter disposto a desafiar seus colegas. Essa pessoa, que deve estar bem preparada, será parte crucial do processo de controle de qualidade do conteúdo do início ao fim.

Esse tipo de questionamento crítico pode levar a momentos de tensão, mas, no fim, todos entendem que isso é feito com as melhores intenções.

A responsabilidade é um item essencial nesse passo. É elaborado um plano de como e quando contatar o objeto da investigação. Para nós, a regra geral é fazer isso o mais rápido possível. Uma razão para isso é ter certeza de que você tem uma história, e outra é para ser justo. Há exceções, é claro, como em países com governos autoritários, onde você pode precisar esperar até um pouco antes da publicação.

Passo nº 2: a reunião intermediária

Com pelo menos um primeiro rascunho pronto, o objetivo desta reunião é discutir questões de qualidade. Ainda há tempo para mudanças significativas.

Questione o seguinte:

  • Conclusões: a hipótese está comprovada ou é necessário um ajuste? As descobertas podem ser questionadas ou refutadas de alguma forma? Todas as outras explicações podem ser excluídas?
  • Responsabilidade: somos tão justos quanto podemos ser? Existem circunstâncias atenuantes?
  • Quadro geral: está faltando algo ou alguma coisa parece fora do lugar? Retratamos as coisas de forma muito oposta?

Você pode relatar fatos verdadeiros sem dizer a verdade. Infelizmente, os repórteres costumam apresentar viés de confirmação favorecendo informações que confirmam a história e ignoram fatos contraditórios. O resultado pode ser a ausência de fatos muito relevantes e uma investigação seriamente equivocada.

Apenas o repórter tem uma visão completa dos fatos. As questões seguintes exigem respostas honestas e devem ser repetidas diversas vezes durante o processo de escrita:

  • Outros fatos mudariam o quadro geral?
  • O público ficaria desapontado se soubesse o que deixamos de fora?
  • Podemos justificar o que foi selecionado sem perder credibilidade?

Por fim, há mais dois itens a serem verificados:

  • Fontes: elas são confiáveis? Estamos fazendo perguntas importantes e relevantes? Fizemos as verificações de antecedentes necessárias?
  • Especialistas: eles são representativos? Temos certeza que o especialista a quem recorremos está atualizado e é de confiança?
Passo nº 3: Checagem de fatos

Antes de fazermos a verificação de fatos linha por linha, precisamos ter uma resposta às alegações do sujeito da investigação. Essa pessoa geralmente sabe mais sobre o caso do que qualquer outra pessoa (incluindo o repórter).

Mesmo que você esteja dando más notícias, você e o sujeito da investigação podem ter pelo menos uma coisa em comum: os fatos devem estar corretos para que sejam publicados. Mesmo que as pessoas envolvidas em sua investigação se recusem a lhe dar uma entrevista quando você entra em contato com elas, é uma boa oportunidade para deixá-las responder aos fatos.

É necessário abertura de sua parte para fornecer informações detalhadas sobre as alegações ao sujeito da investigação. Em alguns casos, talvez até seja necessário informá-los sobre o texto da matéria. Mas nunca revele detalhes que possam levar às suas fontes.

Além de verificar os fatos com o “verdadeiro especialista”, ou seja, o assunto da história, há outros benefícios: você terá tempo para examinar as explicações e, com sorte, obter novas informações para preencher as lacunas da história. E certamente é preferível ter uma reação antes da publicação do que depois.

Claro, há muitos casos em que você não pode usar esse método de transparência. Lidar com grupos violentos ou governos autoritários, por exemplo, exige outra abordagem, conforme descrito neste artigo da GIJN. No entanto, lidar com pessoas perigosas não reduz a necessidade de ser preciso e justo. Pelo contrário, pode ser ainda mais importante.

Agora, passamos ao processo linha por linha.

O princípio é simples. Cada trecho de informação verificável na história deve ser rastreada até uma fonte. Essa verificação de fatos deve ser feita com tempo suficiente antes da publicação, com o “advogado do diabo” exercendo um papel central neste momento.

Para que o processo seja eficaz, os documentos de pesquisa devem estar sempre ao alcance. Notas de rodapé com links no final de cada página facilitam o controle dos documentos.

A verificação dos fatos exige atenção total, mas pode ser difícil manter-se atento após um dia longo. Portanto, é aconselhável começar com as questões centrais e mais complicadas. Sempre há algo na história que pode ser questionado. Portanto, você precisa se concentrar nas coisas essenciais antes de se deixar levar pelos detalhes.

Não se esqueça de perguntar: todas as conclusões são bem fundamentadas? Elas podem precisar ser mais incisivas ou talvez precisem ser mais brandas. 

Se a história for complexa, o material de pesquisa deve ser apresentado pelo repórter, antes da verificação dos fatos, com uma explicação de como a conclusão foi alcançada. Às vezes, pode ser mais fácil falar do que fazer. Por exemplo, as descobertas podem ser baseadas em documentos de pesquisa complexos, como grandes conjuntos de dados ou números de relatórios financeiros.

Uma sessão preliminar, linha por linha, pode ser necessária em tais casos, talvez com um especialista convidado. Se necessário, é possível obter ajuda pro bono externa para verificar os fatos ou revisar a metodologia.

blindar suas histórias

Imagem: Unsplash

Questões adicionais a serem respondidas:

  • A história é justa e aborda contra-argumentos?
  • Você tem uma réplica a todas as alegações com as respostas mais relevantes? Pode ser necessário checar toda a transcrição da entrevista.
  • Todos os detalhes negativos sobre o assunto da investigação são necessários? Você está aberto a circunstâncias atenuantes relevantes?

Ao fazer a edição linha por linha, é essencial verificar todos os fatos, mesmo os aparentemente inofensivos. O menor erro pode ser usado por aqueles que querem desacreditá-lo. Dizer “eu sei que é verdade” não justifica uma exceção.

Finalmente, verifique novamente os nomes, títulos, datas, números e tudo o mais que pode ser verificado. Isso inclui citações – se um entrevistado estiver errado, você deve saber.

10 dicas para verificação de fatos

  1. Use documentos originais: quando é possível obter documentos originais, nada mais deve ser aceito.
  2. Verifique antes de citar: não confie em fatos publicados por outros veículos, independente do quão confiáveis eles pareçam ser.
  3. Seja preciso com os números: fique longe da tentação de exagerar. Por exemplo, se 12 pessoas são afetadas, você deve relatar esse número (um fato) em vez de declarar “muitos” (uma estimativa vaga).
  4. Mantenha distância das vítimas: não importa o quanto você acredita nas vítimas, não veja o que elas dizem como um fato, a menos que possa ser verificado. Por exemplo, troque “Ele não se lembra de nada” (difícil de verificar) com “Ele diz que não se lembra de nada” (sua afirmação é um fato).
  5. Evite julgamentos de valor difíceis de provar: tirar conclusões pode criar problemas desnecessários. Por exemplo, se você concluir que o empregador “ignorou as regras de segurança”, você deve provar que ele o fez deliberadamente. Mas, por outro lado, dizer que o empregador “não seguiu as regras de segurança” é afirmar um fato.
  6. Seja transparente com as limitações: seja aberto ao público sobre o que você não sabe. Cuidado com a tentação de insinuar algo que você não pode provar. A transparência fortalece sua credibilidade, principalmente quando você é aberto sobre as limitações.
  7. Omita detalhes de identificação: gráficos, fotos e material de vídeo não devem conter informações privadas desnecessárias: nomes e outros detalhes em documentos, placas de veículos, números de ruas e nomes em caixas de correio.
  8. Faça uma análise quadro a quadro: a imagem é genuína ou falsa? As fotos costumam passar despercebidas na hora de revisar a história, pois não são parte do texto. No entanto, Google Imagens, Facebook e outras plataformas facilitam a localização de fotos – às vezes, fácil demais. Quando necessário, verifique a origem, usando a busca reversa de imagens e outras ferramentas. (Para mais informações sobre este tema, leia “Quatro maneiras rápidas de verificar imagens em um smartphone” da GIJN.)
  9. Termine com um autoexame: algo ainda está incomodando os repórteres? Ainda existem dúvidas? Então, por favor, fale, pois esta é a última chance de fazê-lo!
  10. Certifique-se de que as alterações sejam implementadas: Todas as alterações no texto, como a correção de nomes digitados errados, devem ser aplicadas aos gráficos e outras partes da publicação. Portanto, é necessária uma rotina de checar repetidamente.

Esse processo inevitavelmente revelará erros, que poderiam prejudicar seriamente a credibilidade da história e a sua como repórter investigativo. E ainda mais importante: poderiam causar danos injustificados ao objeto da investigação.

Ao fazer a edição linha a linha, você receberá uma recompensa imediata, pois não vai acordar no meio da noite suando frio, preocupado com erros factuais. Em vez disso, você poderá dormir tranquilo sabendo que fez o que podia para minimizar o risco de estar errado.

 


Nils Hanson é um premiado editor investigativo freelance. Por 14 anos, até 2018, foi produtor executivo da Mission Investigate. Ele tem mais de 30 anos de experiência e cobriu cerca de 500 investigações. Nos últimos dois anos de sua liderança, o programa conquistou dez prêmios internacionais. Seu manual de jornalismo investigativo é leitura obrigatória na Suécia.

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