Investigando a Amazônia. Imagem: Heino Ollin para GIJN
Investigando crimes ambientais: dicas de repórteres que cobrem a Amazônia
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Investigar crimes ambientais nunca foi tão importante, uma vez que cientistas de todo o mundo enfatizam a urgência de mitigar as mudanças climáticas.
No entanto, de pequenos agricultores a grupos criminosos e grandes empresas, existem forças que continuam a destruir um dos ecossistemas mais importantes na luta contra as mudanças climáticas: a Amazônia.
Na Conferência Global de Jornalismo Investigativo, realizada em Gotemburgo, os principais especialistas na investigação de crimes ambientais compartilharam os seus conhecimentos e abordagens. Entre eles estavam Joseph Poliszuk, cofundador da Armando.Info e parte da equipe que ganhou o Prêmio Global Shining Light 2023, e a jornalista investigativa freelancer Fernanda Wenzel, cuja investigação para o The Intercept Brasil, “Ladrões de Floresta”, investiga a grilagem de terras na Amazônia brasileira.
Apesar das iniciativas para proteger a floresta tropical no Brasil, a apropriação de terras e o desmatamento atingiram níveis recordes depois que o ex-presidente brasileiro Jair Bolsonaro chegou ao poder em 2019.
Wenzel decidiu investigar e mostrar, passo a passo, como as pessoas podem se apropriar de terras para depois desmatar a floresta. “Quarenta por cento do desmatamento, de 2013 a 2020, aconteceu em florestas públicas não destinadas. E de 2019 a 2021, o desmatamento nessas terras aumentou 78% em relação aos três anos anteriores”, disse Wenzel.
Na Amazônia brasileira, uma área de floresta pública quase do tamanho da Espanha não recebeu um status de posse específico pelos governos federal ou estadual: as chamadas Florestas Públicas Não Destinadas (UPF). Estas florestas não são propriedade de comunidades indígenas; não são parques nacionais; eles não são propriedade privada. E elas estão à disposição.
A metodologia de Wenzel para calcular a apropriação ilegal de terras foi meticulosa. Ela queria mostrar que os grileiros muitas vezes têm uma grande indústria por trás deles e destacar os enormes riscos financeiros envolvidos nestes crimes ambientais.
“É patrimônio do povo brasileiro, mas está sendo vendida para lucro de poucos”, disse ela.
Um guia passo a passo para expor a grilagem de terras brasileiras
- Localizando apropriações de terras: A jornada de Wenzel começou com o banco de dados do Alerta MapBiomas. Esta plataforma coleta alertas de desmatamento de vários satélites e sintetiza os dados geoespaciais em um shapefile QGIS. Ela procurou os maiores alertas de desmatamento e encontrou um para uma área enorme que abrange cerca de 6,5 mil hectares. Ela decidiu que este era o caso que ela queria investigar.
- Encontrando os culpados: Munida dos dados do MapBiomas, ela tinha as coordenadas e os shapefiles que precisava para pesquisar no banco de dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR) do Brasil. Os certificados aqui registados não são títulos de terra, mas ainda fornecem um “rastro” digital da apropriação de terras. Para reivindicar terras legalmente, as pessoas têm de ir ao site do CAR, delimitar um polígono de fronteiras sugeridas e declarar-se como proprietários. “Qualquer um pode entrar no sistema e dizer ‘sou o proprietário desta terra’”, disse Wenzel. “É o rastro do grileiro. Se derrubar as árvores é o primeiro passo, preencher o CAR é o segundo passo”, disse ela, destacando como havia uma triste ironia no fato de o sistema ter sido montado para tentar impedir a grilagem de terras, mas agora, em muitos casos, estava apenas documentando isso.
- Identificando os criminosos: Wenzel usou o visualizador QGIS para combinar as informações dos shapefiles dos Alertas do MapBiomas com o banco de dados do CAR. Isso permitiu que ela localizasse as pessoas que preencheram os certificados do CAR para essa área desmatada específica. Depois de saber os nomes, ela verificou se essas pessoas e seus parentes possuíam mais terras na Amazônia, o que, neste caso, era verdade. Ela também queria verificar bancos de dados de multas ambientais e embargos para ver se havia outras pessoas ligadas a essas terras. Essa minuciosa pesquisa a levou a descobrir o envolvimento de vários membros da família no cultivo da soja. “E os grandes produtores de soja no Brasil têm muito dinheiro”, disse Wenzel.
- Desvendando os métodos: Para contar a história detalhada da grilagem de terras na Amazônia por meio deste exemplo, ela desenterrou um processo judicial aberto pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) contra um grupo acusado de grilagem de terras. O caso detalhou o uso de motosserras e tratores para limpar o terreno. Como explicou Wenzel, isto foi crucial porque a utilização de tratores para o desmatamento é significativamente mais caro do que outros métodos – sugerindo que muitos recursos estão por trás da derrubada de árvores. Wenzel usou imagens de satélite antigas para monitorar o desmatamento na área em questão. Ela percebeu que os grileiros estavam fazendo extração seletiva de madeira: cortando primeiro a madeira mais valiosa e vendendo-a para financiar suas operações madeireiras. Pelas imagens de satélite, ela pôde ver que uma área maior que 9 mil campos de futebol estava sendo derrubada. O custo estimado de exploração de tal área com tratores é de cerca de 2,5 milhões de dólares – mas isto ainda é apenas uma fração dos 20 milhões de dólares estimados que terras como esta poderiam valer uma vez desmatadas e plantadas com produtos como a soja.
- Preparação para o trabalho de campo: Uma parte vital de qualquer investigação é capturar a essência de um lugar, observou Wenzel, e compreender o contexto local é fundamental para fornecer uma narrativa diferenciada. Ela destacou como um grande número de pessoas que trabalham nas comunidades onde estas atividades acontecem estão empobrecidas. No caso dela, a construção de confiança através de entrevistas confidenciais permitiu o acesso a informações importantes. Ela também passou muito tempo planejando: “Não tenha pressa”, aconselhou Wenzel. As medidas de segurança em campo foram fundamentais, incluindo guias locais confiáveis, contato constante com a base e protocolos de segurança. Ela sugeriu o uso de ferramentas de comunicação e rastreamento baseadas em satélite, como Spot X, e aplicativos de mapeamento offline, como Avenza.
Usando satélites para detectar minas ilegais
O projeto Corredor Furtivo lançou luz sobre a mineração ilegal na Amazônia venezuelana. Esta região, embora oficialmente protegida e lar de comunidades indígenas, enfrenta a destruição causada por grupos do crime organizado envolvidos na mineração ilícita.
No meio de uma crise econômica paralisante no país, suspeitava-se de um aumento na mineração ilegal, mas a verdadeira escala permaneceu indefinida devido à vastidão e inacessibilidade da região.
“Quase metade da Venezuela é floresta tropical, mas apenas 6% da população vive lá”, explicou Poliszuk.
Para superar o desafio de áreas vastas e inacessíveis, a equipa de Poliszuk utilizou dados de satélite para detectar pistas de pouso ilegais na região. Em colaboração com Armando.info e o espanhol El País, com apoio do Pulitzer Center, o projeto mapeou mais de 3.700 locais de mineração escondidos e revelou como grupos criminosos construíram pistas de pouso para transportar as suas recompensas para fora da Amazónia com aviões.
A equipe usou inteligência artificial (IA), bancos de dados, rastreamento por satélite e pesquisas locais de caminhos remotos na selva para criar uma narrativa atraente, aprimorada com recursos visuais poderosos.
Eles treinaram um algoritmo de IA com imagens do satélite Sentinel 2 para encontrar pistas de pouso, que aparecem como marcas brancas nos terrenos verdes. A IA detectou dezenas de pistas de pouso na Amazônia, mas também apresentou alguns alarmes falsos, por isso foram necessárias verificações manuais. A investigação revelou não só a devastação ambiental, mas também o envolvimento de garimpeiros brasileiros que se infiltram na Venezuela para atividades de mineração ilegal.
Reportagens investigativas aprofundadas no início do projeto ajudaram a equipe a navegar por terrenos perigosos e no planejamento de expedições de reportagem, o que levou a novas histórias investigativas.
“Graças às nossas reportagens em campo, percebemos que alguns grupos armados estavam usando membros das comunidades indígenas como escravos. Houve enormes casos de violações humanas”, disse Poliszuk.