J. Fernando Rodrigues, Diana Cariboni e Mamdouh Akbik conversam após o painel de investigações secretas na GIJC23. Imagem: Leonardo Peralta para GIJN
O último recurso de reportagem: dicas para quando — e como — conduzir investigações infiltradas
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Certas histórias exigem acesso ou informações que entrevistas, documentos ou dados não podem fornecer. Se um repórter tentou todas as outras opções e ainda precisa daquela informação secreta ou gravação que só uma pessoa que tem informações de dentro pode obter, em algumas circunstâncias ele pode considerar se infiltrar.
“Trabalhar infiltrado não é uma coisa natural para o jornalismo”, disse Diana Cariboni, editora para a América Latina da openDemocracy, falando numa sessão sobre reportagens infiltradas na 13ª Conferência Global de Jornalismo Investigativo (GIJC23), na Suécia. “É algo que fazemos como último recurso, quando sabemos que não conseguiremos obter as informações de que precisamos”.
Também falaram no painel, moderado pelo jornalista brasileiro J. Fernando Rodrigues, Naipanoi Lepapa, jornalista investigativa freelancer no Quênia, e Mamdouh Akbik, produtor de filmes investigativos da BBC Árabe. Os palestrantes compartilharam suas experiências de trabalho infiltrado e apontaram algumas dicas e melhores práticas – éticas, práticas, relacionadas à segurança – para ajudar os jornalistas considerando métodos semelhantes.
(Para uma visão mais detalhada da prática e da ética deste método investigativo, consulte o Guia para Reportagens Infiltradas da GIJN.)
Quando trabalhar infiltrado
Cariboni fazia parte de uma equipa transfronteiriça que expôs centros de gravidez em crise e centros de terapia de conversão em todo o mundo – apoiados por organizações e grupos religiosos sediados nos EUA que têm mulheres e indivíduos LGBTQIA+ como alvo para desinformação sobre o aborto e a homossexualidade.
Os centros de gravidez em crise utilizam a desinformação e a manipulação emocional para convencer as mulheres que procuram serviços de aborto ou aconselhamento médico a levarem a gravidez até ao fim. As repórteres da OpenDemocracy que se disfarçaram como mulheres grávidas nestes centros foram informadas, entre outras informações falsas, de que o aborto aumenta a probabilidade de desenvolver câncer e doenças mentais e que precisam do consentimento do seu parceiro para fazer um aborto.
Quando uma colega de Cariboni descobriu um destes centros num hospital público na Itália, a equipe decidiu elaborar uma investigação global. Eles decidiram se disfarçar por três motivos.
- Para evitar expor as repórteres. Estes centros alegadamente assediam as pessoas que os abordam, especialmente se fornecerem os seus nomes e dados de contato.
- O estatuto legal do aborto em vários países torna perigoso fazer perguntas sobre o assunto.
- Reportagens em que o repórter trabalha infiltrado facilitam a operação em escala global sem comprometer a investigação.
A investigação encontrou mais de 700 afiliados de uma organização sediada nos EUA e conseguiu contatar mais de 30 destes centros em 18 países em quatro continentes.
Para a investigação dos centros de terapia de conversão, os repórteres fingiam querer “corrigir” a sua orientação sexual devido ao sofrimento ou à pressão familiar, e depois pagavam por sessões online em que padres ou psicólogos promoviam a abstinência, o jejum e a oração.
A equipe decidiu se disfarçar neste caso porque os sobreviventes desse tipo de terapia raramente identificam os grupos de indivíduos responsáveis – devido ao trauma, ao medo de perseguição ou porque suas famílias são cúmplices.
As reportagens da OpenDemocracy baseiam-se nas seguintes diretrizes éticas:
- Não exponha ou revitimize as pessoas.
- Não exponha voluntários ou ativistas comuns.
- Exponha atividades ilícitas.
- Exponha grupos organizados envolvidos nessas atividades.
Cariboni também compartilhou dicas gerais para investigações infiltradas:
- Considere pequenas fases piloto
- Desenvolva ferramentas e recursos
- Prepare desculpas e identidades
- Teste equipamentos e ensaie
- Esteja preparado para surpresas
- Faça uma avaliação de risco
- Não deixe nenhum repórter disfarçado ir sozinho
- Tenha um plano caso seu disfarce seja descoberto
- O apoio à saúde mental é importante
Avalie os riscos
Naipanoi Lepapa soube de agências que comercializam serviços de barriga de aluguel no Quénia, onde a indústria não é regulamentada. A falta de informação oficial ou de fontes dispostas a conversar forçou-a a tomar medidas drásticas: “Quero enfatizar que, se tivesse outra escolha, ou outra forma de obter informações, não teria me infiltrado”, disse Lepapa. Ela acrescentou que este último recurso só deve ser utilizado nos casos em que haja defesa do interesse público.
Lepapa queria descobrir quem estava se beneficiando com a indústria da barriga de aluguel; onde estavam localizados os escritórios; nomes relevantes; a condição das mulheres que se tornaram barrigas de aluguel; e detalhes sobre como as crianças eram transferidas.
Lepapa disse que sempre precisa de um plano bem elaborado – que inclua a avaliação dos riscos. Portanto, ela segue uma lista definida de tarefas, perguntas e avaliações de risco.
- Faça uma lista dos riscos identificados relacionados à história
- Quem ou o que estará em risco? Podem ser fontes, membros da comunidade, funcionários, veículos, etc.
- Pontos vulneráveis. A ameaça é através da Internet ou das comunicações, ou de outra coisa? Está confinado a uma ou mais áreas?
- Qual será o impacto?
- A probabilidade de um risco acontecer – de 0 ou muito improvável a 5 ou acontecendo atualmente.
- O impacto que uma investigação pode ter, de 0 a 5.
- Quais capacidades um repórter possui para ajudar a reduzir ou gerenciar os riscos.
As considerações acima devem ajudar o repórter a elaborar um plano de ação para ajudar a gerenciar qualquer possível incidente. “Você deve sempre planejar bem e se preparar porque estará em posições inseguras. Não apenas você, mas também as pessoas com quem você trabalha”, disse Lepapa.
Ao entrar em contato pessoalmente com fontes confidenciais, é importante:
- Planejar com antecedência onde a reunião acontecerá e elabore uma rota de saída.
- Manter o envolvimento curto e breve.
- Usar roupas largas para revelar o mínimo possível da aparência do repórter.
- Escolher um pseudônimo para você.
- Ter um conjunto extra de roupa e até quaisquer outros produtos de higiene que possa necessitar inesperadamente, caso tenha que passar a noite fora de casa.
Lepapa observou que construir relacionamentos e confiança com as fontes leva tempo. Para a sua investigação sobre a indústria da barriga de aluguel no Quénia, ser encantadora, falar sobre outros assuntos e não ser demasiado direta com as fontes ajudou-a a obter informações úteis.
Conselhos para filmagens secretas
Com uma equipe de jornalistas talentosos e câmeras escondidas, Mamdouh Akbik ajudou a produzir filmes premiados que não seriam possíveis filmando abertamente. Em 2020, produziu um documentário no qual um repórter filmou provas de abuso infantil em mais de 20 escolas no Sudão.
“A infiltração é uma ferramenta muito poderosa, especialmente nesta época de notícias falsas e desinformação”, disse Akbik. “Ter essas informações precisas, que na verdade podem comprovar irregularidades, é muito importante, mas fazemos isso com muito cuidado”.
Trabalhar para a BBC exige elevados padrões éticos e legais para proteger os jornalistas e a organização. As filmagens secretas, disse ele, muitas vezes envolvem a violação da privacidade das pessoas, o que pode ter consequências legais em alguns países.
Ele diz que ao decidir se vai ou não se infiltrar considera se a história é de interesse público, se existem alternativas viáveis, e diz que qualquer operação secreta não pode ser uma em que o repórter “joga verde para colher maduro”. Para sequer considerar correr o risco de se infiltrar, deveria haver uma expectativa muito elevada de obter evidências prima facie – como provas de irregularidades.
“É como se estivéssemos caminhando sobre um fio… entre o interesse público e o direito à privacidade. Por isso sempre pensamos não apenas em seguir as regras, mas em trabalhar de forma ética”, disse Akbik.